Meu pedido de demissão

Venho, por meio desta, apresentar meu pedido de demissão da categoria dos adultos. Resolvi que quero voltar a ter responsabilidades e as ideias de uma criança de oito anos (no máximo).

Quero acreditar que o mundo é justo, e que todas as pessoas são honestas e boas. Quero acreditar que tudo é possível. Quero que as complexidades da vida passem despercebidas por mim, e quero ficar encantado com as pequenas maravilhas deste mundo.

Quero de volta uma vida simples e sem complicações. Estou cansado de dias cheios de computadores que falham, montanhas de papelada, notícias deprimentes, contas a pagar, fofocas, doenças e necessidade de atribuir um valor monetário a tudo o que existe.

Não quero mais ter que inventar jeitos para fazer o dinheiro chegar até o dia do próximo pagamento. Não quero mais ser obrigado a dizer adeus a pessoas queridas, e, com elas, a uma parte da minha vida. Quero ter certeza de que Deus está no céu, e de que, por isso, tudo está direitinho neste mundo.

Quero ir ao McDonalds ou à uma pizzaria da esquina, e achar que é um restaurante cinco estrelas. Quero viajar ao redor do mundo no barquinho de papel que vou navegar numa poça deixada pela chuva. Quero jogar pedrinhas na água e ter tempo para olhar as ondas que elas formam.

Quero achar que as moedas de chocolate são melhores do que as de verdade, porque podemos comê-las e ficar com a cara toda lambuzada. Quero ficar feliz quando amadurece a primeira manga, quando a jabuticabeira fica pretinha de frutas.

Quero poder passar as tardes de verão à sombra de uma árvore, construindo castelos no ar e dividindo-os com meus amigos. Quero voltar a achar que chicletes e picolés são as melhores coisas da vida. Quero que as maiores competições em que eu tenha que entrar sejam um jogo de bolinha de gude ou uma pelada.

Eu quero voltar ao tempo em que tudo o que eu sabia era o nome das cores, a tabuada, as cantigas de roda, a "Batatinha quando nasce" e a "Ave Maria" e isso não me incomodava nadinha, porque eu não tinha a menor ideia de quantas coisas eu ainda não sabia.

Voltar ao tempo em que se é feliz, simplesmente porque se vive na bendita ignorância da existência de coisas que podem nos preocupar e aborrecer. Eu quero acreditar no poder dos sorrisos, dos abraços, dos agrados, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, dos sonhos, da imaginação, dos castelos no ar e na areia. E o que é mais: quero estar convencido de que tudo isso vale muito mais do que o dinheiro!

Acreditar que Papai Noel existe e trás presentes, que o Coelhinho da Páscoa trás ovos, que a Fada do dente leva os dentes de leite, que o maior perigo do mundo é o Bicho Papão. Que meus medos sejam do escuro, da bronca do pai, e do castigo no cantinho da disciplina.

Por isso, tome aqui as chaves do carro, a lista do supermercado, as receitas do médico, o talão de cheques, os cartões de crédito, o contra-cheque, os crachás de identificação, o pacotão de contas a pagar, a declaração de imposto de renda, a declaração de bens, as senhas do meu computador e das contas no banco, e resolva as coisas do jeito que quiser. A partir de hoje, isso é com você, porque eu estou me demitindo da vida adulta. 

Agora, se você quiser discutir a questão, vai ter que me pegar, porque... PIQUES!!! O pegador está com você! (lembra?)

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